O pressuposto é a mudança do status quo das pessoas e da comunidade.
Vinicius Ribeiro Blog 1353 views 4 min. de leituraAutoridades de 30 grandes cidades atingidas na Europa e Ásia perceberam que, à medida que os bloqueios nas cidades terminam, o número de veículos trafegando aumentam, agravando o congestionamento. Um exemplo está nos números relacionados ao mês de junho, sendo maior do que antes da pandemia. Isso se deve a três fatos: (I) receio do uso do transporte coletivo, (II) por conseguinte o aumento do uso do automóvel, e (III) pela falta de um sistema ciclo viário alternativo para ofertar os curtos e médios deslocamentos. Diante disso, técnicos e autoridades mundiais são convergentes em afirmar: o que está acontecendo lá vai acontecer aqui, principalmente nas médias e grandes cidades.
Reportagem do The New York Times, recentemente publicada, demostra a preocupação e as ações de diversos prefeitos para evitar o aumento da poluição e a perda de qualidade de vida das pessoas em função do aumento do congestionamento.
Se não ajudar o sistema de transporte coletivo, a situação das cidades vai piorar. Não se trata de auxílio à empresa A ou B, e sim a oferta de transporte coletivo.
Medidas começam pela iniciativa pública (na ideia de Cidade Inteligente e Planejamento Sustentável), e acabam na ação e mudança da organização comunitária (resiliência comunitária).
Cidade Inteligente é slogan (Gabrys, 2014). O autor se refere às abordagens de rótulo com simples monitoramento ou algumas medidas de tecnologia da informação. A cidade inteligente que buscamos é aquela, fruto do planejamento sustentável, na qual exige outro nível de comportamento. Elas se esforçam para maximizar a eficiência de recursos energéticos e materiais, criar um sistema de zero desperdício, apoiar a produção e o consumo de energia renovável, promover a neutralidade de carbono, reduzir a poluição, diminuir as necessidades de transporte motorizado individual e incentivar caminhadas e ciclismo, além de fornecer transporte sustentável, preservar ecossistemas, enfatizar a escalabilidade do projeto, a proximidade espacial, promover a habitabilidade e a comunidade sustentável. (Bribi e Krogstie, 2017).
Na prática, precisamos agir, pois cidades perderam percentuais altíssimos de usuários do transporte coletivo nos últimos meses. Para termos ideia, São Francisco alcançou 80% de perdas, Porto Alegre 58,6%; Caxias do Sul 51,49%, sendo que outros números variam entre 50% a 75% (International Energy Agency).
Conhecedor desses números, muitos municípios começaram a reagir em um esforço de resiliência que chamou a atenção. São Francisco abriu 38 quilômetros de corredores para ciclistas e pedestres; outros 16 quilômetros estão em obras. Bogotá reservou cerca de 90 quilômetros de espaço para os ciclistas. Milão intensifica ações na rede provisória de scooter elétrica e bicicleta para torna-las permanente.
Nesta cidade específica, o congestionamento de junho não foi maior. Outras cidades como Berlim, Londres, Nova York e Paris, autoridades foram convencidas por especialistas de transportes, para aproveitar este momento e melhorar o sistema de integração e ampliar o sistema ciclo viário. Medidas impopulares são realizadas também como implementação ou aumento de taxa de congestionamento para os veículos que circulam no centro da cidade.
Felipe Sousa, Doutor em Engenharia de Transportes, complementa que, não há solução fácil para um problema complexo e, que não adianta pensar somente em receita sozinha sem pensar nos custos relacionados do TC, considerando que a redução do preço da tarifa com as diversas medidas propostas irá gerar novo aumento de demanda e a necessidade de ampliação de oferta, aumentando os custos novamente e a ociosidade entre picos.
A solução passa pela reformulação do sistema do transporte coletivo e pela implementação de sistemas tecnológicos com plataformas digitais de mobilidade integrada, como: 1) Flexibilizar a forma de ofertar o serviço em função do avanço da tecnologia e da diversidade da prestação – transporte coletivo também pode ser direcionado para turismo, empresas e outras demandas específicas e diárias; 2) Racionalizar o serviço, evitando sobreposição de oferta para reduzir a tarifa; e, 3) Integrar os diferentes modos de transporte.
Além disso, próximas concessões nos municípios precisam buscar principalmente estes dois componentes. Primeiro, entender que o sistema de oferta de transporte coletivo deve ser realizado em nível metropolitano e não somente municipal. Transporte Rodoviário e Urbano precisam estar integrados junto com estacionamentos e bicicletários. Segundo, ofertar um sistema de transporte coletivo misto – por demanda como aplicativos de carro e convencional – como já é realizado. Munícipios brasileiros como Goiana, Fortaleza e São Bernardo do Campo são nossas referências. Veículos novos e menores associado a um sistema eletrônico de pagamento torna o sistema mais eficiente, integrado e transparente.
Para implementar os desafios do Transporte Público Inteligente e Sustentável após Covid 19, é necessário um trabalho de resiliência comunitária. Se a comunidade não for preparada o assunto não vai avançar. Explico citando (Mancini & Bowen, 2009), na qual afirma: “A resiliência comunitária é a capacidade das comunidades de lidar e se adaptar no contexto de desafios e adversidades, de maneira a promover a conquista bem-sucedida dos seus resultados desejados. ”
A resiliência comunitária acontece através da organização social e da sinergia comunitária. Essa “nova” organização social deve ser envolvida, para se sentir segura e adaptada. Os mesmos autores acima refletem sobre os contextos que devem ser considerados para que a comunidade entenda as mudanças.
A atual pandemia é um contexto. Já a sinergia comunitária é caracterizada pela alta competência coletiva e alta responsabilidade compartilhada. Atendendo estas duas características, teríamos a probabilidade de demonstrar maior capacidade comunitária de aceitar e realmente mudar.
O pressuposto é a mudança do status quo das pessoas e da comunidade. O ponto de alavancagem é através das redes informais (família, amigos, vizinhos e colegas de trabalho), e formais (organização, escolas, hospitais, empresas). Quanto mais inserirmos as informais nas formais, mais recíprocas serão as relações sociais, e mais efetivas serão as ações desafiadas.
Por fim, liderança e comunidade precisam se sintonizar. Liderança forte com comunidade desengajada produz conflito. Liderança fraca e comunidade engajada gera tragédia. Liderança e comunidade fortes produzem resultados e valores capazes de promover as mudanças necessárias com propósito e boa conexão.